sábado, 15 de fevereiro de 2014

                                                      Invejável Ícaro
     Percebe, tudo o quanto nos rodeia é beleza ensinada. Nos ensinaram a achar bonito aquele carro, ou aquela construção histórica, um arranha-céu em alguma cidade grande. O homem teve a necessidade de criar, para se sentir criador, e daí suscitou a necessidade de elevar a construção humana, fingir que é belo o que ele faz, para justificar a si mesmo a necessidade primeira. Na verdade, a beleza não faz parte da humanidade. O mais próximo que o homem chegou da beleza foi quando eles (re)criavam em esculturas ou pinturas o próprio ser humano ou a natureza. Mas isso era valorizar uma imitação enraizada na maior das maiores síndromes de inferioridade que existem: "eu não criei essa natureza!". Raciocínio essencialmente humano: Então, vamos matá-la! A natureza hoje é morta e agora cospem, escarram, ejaculam tintas e texturas em uma tela e chamam de obra de arte! Pior, obra-prima!

Os olhos da minha geração são virgens da beleza autêntica. Antes, até mesmo de mim, você olhava para frente e via o bonito em cada pequeno espaço entre cada pequena folha de uma árvore ao longe, ou olhava para o lado e ouvia o relaxante chiado que voava junto das libélulas sobre aquela cascata a desembocar no lago cuja limpidez refletia com esplendor o céu. Ah, o céu! O mais resistente dos sobreviventes do naturicídio humano. Antes de antes, não era necessário nem sequer olhar para cima para vê-lo, bastava só caminhar olhando o caminho e ele estava lá para mostrar que o destino era só seu. Era só céu! Hoje se caminha olhando os pés. De vez em quando é possível ver pequenos resistentes a rastejar pelo descampado de concreto e pedra portuguesa, mas quando não aprendemos a matá-la também, aprendemos a ter nojo e asco dessa beleza. O céu hodierno não passa de retalhos arranhados entre prédios e construções humanas.

É com tão pouca beleza verdadeira para se ver que nos deixamos realmente enganar, e compramos a consciência de que os prédios são bonitos (principalmente os históricos, não é?), os carros são bonitos, os vestidos são bonitos, os celulares e computadores são bonitos. Assim como as artes plásticas só tangenciam a real beleza por serem feitas de tinta ou óleo, de mármore ou bronze, o que se pode esperar de um futuro construído de pedra, areia, aço, vidro e cadáveres? Já pensaste o que era antes do piche e da pedra sob os quais repousam teus pés? Um gramado? Um rio, talvez? Um pântano, belamente fedorento? Uma montanha aplainada? Que quer que tenha sido, já não é mais. A colcha de asfalto que cobriu a beleza sufocou o que quer que fosse. Já não há vida sob os pés dos homens. Há só uma camada escura que o separa tenuemente do cadáver que era o solo que ali havia, dos restos mortais do que já fora uma linda fonte natural. O caminho é de morte. Lembre-se disso: já não há mais vida sob os pés dos homens. Da mesma forma que o asfalto com o tempo cobre mais e mais a vida, o que será do céu? Arrisco o palpite que a arrogância humana, solícita com a causa naturicída, vai, com o tempo, cobrir até o céu. Não cobrir, mas tampar. Se o pavimento deixa isolada em baixo a beleza, ceifa a grama por asfixia; os prédios com o tempo fecharão os homens numa redoma isolando o último dos sobreviventes a cima dela. Mas será que o céu, assim como a vida abaixo do asfalto, morrerá? É uma dúvida que as gerações do porvir podem ter, mas é certeza que não se importarão com a resposta.

Com efeito, nem essa conjuntura seria o fim. Seria nada mais que o agravamento e o sucesso completo da empreitada parasitária do ser humano. Mesmo a escola mais dedicada, mesmo seu oposto, mais rígido, nenhuma é capaz de evitar o aluno irresponsável. Ah, a delícia da irresponsabilidade!

Mesmo assim ainda haverá homens, chamados tolos, que quererão saber como é o céu. Haverá homens que responderão, não ao impulso assassino do ser humano, mas à pura inclinação à beleza autêntica. Esses tentarão romper, contemplando apenas a silhueta da real beleza, com a construção humana e se libertar para o bonito. Destruirão prédios, carros, e outras humanidades, na vã tentativa de ressuscitar a beleza que aquela construção humana matou. Alguns não suportarão a realidade de que a árvore que ali frutificava, nunca mais retornará, e que a morte da construção humana é tão impiedosa e esperta, que mesmo na sua própria destruição só pode nos presentear com mais vidro, aço, cadáveres, areia e pedra, mas agora acrescido da poeira e do vazio. Ainda aqui, haverá os que não se intimidarão pela visão que tiveram, e continuarão buscando o céu.

Então o homem inventará novos Ícaros, e podará qualquer asa que os permitisse espiar, ou melhor, imaginar em suas esperanças o bonito por trás disso tudo. Etiquetaria com tanta insistência a impossibilidade dessa busca, com mitos, estórias, ditados, que já as crianças aprenderiam desde pequenas a negar seus Dédalos. Se ainda assim, houver qualquer um que ainda queira furar a redoma e ver o céu, chamar-lhe-ão louco, e o aprisionarão na construção mais básica do ser humano, a melhor sala de aula da humanidade: a Cadeia. Nela não há vidro, areia ou aço, apenas pedra e cadáver. Manterão o louco dentro dela por tanto tempo quanto for necessário para que ele passe a querer até o vidro e o aço e a areia, de tão íntimo que se tornou dos cadáveres e das pedras de sua cela. De tão não bonito que é uma prisão, ele sairá dela com um amor declarado às construções humanas, aprendendo com louvor a única beleza que existe para o homem. Ou com isso, ou com um ódio tão interno que o levará a atentar contra tudo que existe, para suprir a pouca razão que lhe resta e que se confunde com sua própria loucura, a de uma busca impossível desde sua origem. Porém, para estes é dada uma morte miserável e não sentida por ninguém. Tornam-se pessoas que rastejam pelo asfalto incitando nojo e asco na humanidade.

Eu pelo menos ainda posso dizer que vi o céu. Vi uma vez, mas não daqui de dentro. Só vejo escuro e essas barras de ferro que tenho por costelas. E já aprendi a gostar delas. Espero só que eu morra ainda com a memória de como é o céu, que eu morra antes de me apaixonar de vez pela areia, aço cadáveres e pedras. Que eu não viva para ver as penas queimadas das minhas asas caírem ao chão, cinzentas como piche. Porque se um dia eu as vir, conhecerei durante a queda a principal lição da humanidade, que não há vida sob os pés dos homens.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014


Letras, ou tinta ou luz ou o que quer que seu cérebro registre...

As pessoas têm uma falha muito chata... na verdade são inúmeras falhas, mas as que mais me atormentam são as que as fazem se intrometer no "modus" de uma outra pessoa. Por exemplo, sim eu escrevi "têm" com acento porque eu desprezo a reforma ortográfica. Sou nostálgico demais para reformas. Eu escrevo sob o modo que me importa, mesmo porque eu não escrevo para ninguém, e essa é outra falha das pessoas. Talvez seja até maior do que aquela. Elas acham que todos que escrevem alguma coisa querem o maior número possível de leitores.
Eu escrevo primeiro para mim e se alguém me quiser ler, o azar é meu, que não fui eficaz o suficiente para manter dentro de mim essas palavras. Eu não escrevo nada para um outro infeliz tapar os olhos e projetar por cima das minhas letras a interpretação que lhe convier. Escrevo porque escrevo (mais uma falha do ser humano: necessidade de causalidade). No fim das contas o mais estúpido é o leitor. Melhor seria que não lesse nada que lhe cospem na cara esses "escritores" (faz tempo que não vejo um sem aspas...), melhor seria que eles mesmos escrevessem. Mas ainda assim, não para que lessem depois a própria obra, porque provavelmente seria uma merda.
"Meu Deus! Ele escreveu a palavra 'merda' numa poesia, que ultraje!". Dois erros: 'merda' não é uma palavra é uma realidade, e poesia não é isso que escrevo, poesia é o qualquer coisa que os leitores quiserem que seja.
Enfim, apesar do retorno tardio, talvez eu escreva com mais frequência aqui, mas não para nenhuma pessoa. Só para daqui a mais 5 anos eu rir de mim mesmo mais novo ao ler a merda que escrevi. O que vai me fazer inverter os papéis, pois serei como vocês que agora me leem: leitores de merda!

Se ainda depois disso tudo você ainda está me lendo, só tenho uma última escolha: Vá para o inferno e feche a página!
Justo Retorno

Voltei depois de 5 anos sem escrever nada aqui. É um retorno que vocês podem chamar de qualquer coisa, menos de triunfante. Ah, só para noticiar, Tom Darezi, aquela fantasia adolescente faleceu. Deus o tenha. No testamento dele ele pediu para eu mudar algumas coisas aqui. E começo com essa mensagem a mudar essa casa.